Por dentro da dermatologia hospitalar

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Por Maria Carolina Corsi Ferreira e Elimar Elias Gomes


As
anormalidades dermatológicas em pacientes hospitalizados são comuns e, em alguns casos, uma patologia cutânea pode ser o motivo da admissão. Uma ampla gama de doenças primárias da pele, cabelos e unhas está presente nos pacientes hospitalizados e alguns destes possuem alterações tegumentares diretamente relevantes para a hospitalização ou indicativos de doença sistêmica. Esse fator associado aos milhões de pacientes hospitalizados a cada ano apontam para o papel crescente do dermatologista no ambiente hospitalar para diagnóstico e manejo adequado dessas alterações.

Estudos demonstram que a avaliação dermatológica melhora a acurácia diagnóstica. Em estudo realizado por Özyurt e colaboradores, apenas 29% dos diagnósticos realizados pela equipe assistente estavam corretos após a avaliação do dermatologista. E no trabalho realizado por Davila, houve uma mudança no tratamento com base na consulta dermatológica em 77,7% dos casos revisados.

No Brasil, a atuação do dermatologista no ambiente hospitalar vem crescendo progressivamente, principalmente nos hospitais universitários. E cada vez mais médicos de outras especialidades têm notado o benefício da participação do dermatologista na condução dos pacientes internados.

A maioria dos problemas dermatológicos é resolvida ambulatorialmente, porém muitos casos necessitam de tratamento hospitalar, como as doenças bolhosas, as farmacodermias, a eritrodermia, entre outras.  Além disso, o ambiente hospitalar permite um melhor diálogo com o paciente e os familiares, bem como com outras especialidades médicas, além de fornecer tempo adicional para educar os pacientes e cuidadores sobre os cuidados com a pele e avaliar a adesão ao tratamento.

Um dos motivos mais comuns para a interconsulta dermatológica é a avaliação de pacientes com suspeita de erupção medicamentosa. No estudo realizado por Davila, 10% das avaliações dermatológicas foram solicitadas por esse motivo. As erupções cutâneas estão entre as manifestações mais frequentes de reações medicamentosas. Uma questão relevante é que essas reações são ainda mais comuns nas unidades de terapia intensiva, onde os pacientes são submetidos à polifarmácia e necessitam de intervenções rápidas e assertivas.

As erupções morbiliformes não complicadas representam cerca de 95% dos casos de farmacodermias, segundo estudo realizado por Bigby. A avaliação dermatológica desses pacientes pode ajudar a confirmar o diagnóstico e identificar a medicação culpada, ou pelo menos restringir a lista se um único agente não puder ser identificado. Nos pacientes submetidos ao transplante de medula óssea, as erupções morbiliformes são um grande desafio diagnóstico, uma vez que podem corresponder à farmacodermia, exantema viral ou doença do enxerto versus hospedeiro. Nestes casos, a avaliação dermatológica é essencial para conclusão diagnóstica, muitas vezes sendo necessária a realização de biópsia de pele à beira leito e exames complementares. As erupções morbiliformes também podem ser a primeira manifestação de uma farmacodermia grave, como DRESS, síndrome de Stevens-Johnson e NET. E, em pacientes com coagulopatias ou plaquetopenia, as erupções morbiliformes podem ser purpúricas e simular uma vasculite.

Outro cenário comum e desafiador para o dermatologista no âmbito hospitalar é avaliar pacientes imunossuprimidos com uma erupção cutânea, tais como pacientes neutropênicos, transplantados, com infecção avançada pelo vírus da imunodeficiência humana (AIDS), em vigência de quimioterapia, desnutridos e pacientes em uso de medicamentos imunossupressores por outras razões, como condições reumatológicas. Estes pacientes possuem risco aumentado de infecções cutâneas e, muitas vezes, apresentam quadros atípicos. Infecções por herpes simples (HSV) podem se manifestar como úlceras confluentes de difícil cicatrização que podem persistir por meses. A disseminação também é frequente, demonstrando a importância do reconhecimento imediato e tratamento da infecção por HSV nessa população. Além disso, a incidência de HSV resistente ao aciclovir está aumentando em pacientes imunossuprimidos.

A neutropenia prolongada e/ou a função alterada das células T são fatores de risco para infecções fúngicas e, portanto, muitas ocorrem no período peri-transplante de medula óssea ou em pacientes cronicamente imunossuprimidos. Infecções por Aspergillus, Mucor, Rhizopus e Fusarium podem apresentar-se como doença primária cutânea. O reconhecimento de infecções fúngicas oportunistas em pacientes imunossuprimidos é uma emergência, geralmente exigindo biópsias à beira do leito para obter tecido para rápida avaliação histológica e cultura, porque as hemoculturas fúngicas são negativas na maioria dos casos de doença disseminada.

Outra doença dermatológica frequentemente diagnosticada no ambiente hospitalar é a síndrome de Sweet ou dermatose neutrofílica febril aguda. Muitos casos estão associados a malignidades, particularmente à leucemia mielóide aguda, mas também pode ser induzida por medicamentos, como o estimulador de colônias de granulóticos. Os principais diagnósticos diferenciais incluem infecção cutânea e leucemia cútis. O reconhecimento e tratamento da doença são impactantes, pois o quadro responde rapidamente à corticoterapia. A biópsia e cultura da pele comumente são necessárias.

A dermatite de contato, de natureza irritante ou alérgica, também é frequentemente encontrada no cenário hospitalar. As causas mais frequentes nestes pacientes são adesivos, antibióticos tópicos e avental cirúrgico. Pode também estar associada aos antissépticos cirúrgicos, incluindo o gluconato de clorexidina e iodopovidona. O iodo presente neste último também é responsável por uma alta taxa de reações irritantes secundárias aos efeitos oxidativos do iodo na pele.

A celulite bacteriana continua uma causa frequente de hospitalização. A celulite da perna é frequentemente super diagnosticada, principalmente no cenário do paciente com suspeita de “celulite bilateral”, quando muitas vezes possui um diagnóstico alternativo. Os imitadores mais frequentes da celulite são as doenças por estase venosa, incluindo a dermatite de estase (eczema de estase) e a lipodermatoesclerose 

Os dermatologistas também podem auxiliar na avaliação de pacientes hospitalizados com úlceras cutâneas.  O diagnóstico diferencial para um paciente com úlcera crônica é amplo e inclui causas como úlceras de estase venosa, úlceras de pressão e úlceras arteriais, bem como entidades menos frequentes, como vasculites e infecções cutâneas. Uma consulta dermatológica pode ser particularmente útil no caso de úlceras incomuns ou recalcitrantes, especialmente quando há suspeita de doença dermatológica primária. Algumas dessas condições incluem calcifilaxia e pioderma gangrenoso, que podem surgir durante a hospitalização. 

Relatamos um caso que ilustra a importância do dermatologista no ambiente hospitalar. Paciente do sexo feminino, 84 anos, com antecedente de melanoma operado na perna direita em 1997, notou aumento de volume na coxa direita em fevereiro de 2019. Foi realizada a biópsia dessa massa, compatível com melanoma. Após estadiamento completo, foi confirmada metástase em trânsito, óssea e linfonodal e iniciado tratamento com nivolumabe em maio de 2019. Um mês após o início da imunoterapia, apresentou prurido significativo, de difícil controle, sem lesões cutâneas primárias (Fig. 1). Em janeiro de 2020, oito meses após o início da imunoterapia, a paciente evoluiu com piora do prurido e surgimento de bolhas tensas disseminadas pelo corpo, sendo então hospitalizada (Fig. 2). Foi avaliada pela equipe de dermatologia hospitalar, submetida à biópsia de pele beira-leito, confirmando a hipótese diagnóstica de penfigoide bolhoso imuno-induzido (Figs. 3 e 4). Além da suspensão da imunoterapia, foi iniciado tratamento com corticoide sistêmico, nicotinamida e doxiciclina, com melhora do quadro e atualmente permanece em seguimento ambulatorial.  

Em suma, a consulta dermatológica melhora a acurácia diagnóstica no paciente hospitalizado com doença cutânea, podendo otimizar o tratamento e reduzir o tempo de internação. A dermatologia abrange uma variedade de condições, incluindo dermatoses inflamatórias, processos infecciosos, reações adversas a medicamentos e distúrbios neoplásicos, muitos dos quais podem ser diagnosticados apenas com base no exame dermatológico, mas quando necessário, as biópsias da pele à beira-leito podem contribuir com informações importantes para o diagnóstico.

Referências:

  • Biesbroeck LK, Shinohara MM. Med Clin North Am. 2015 Nov;99(6):1349-64. Inpatient Consultative Dermatology.
  • G T Nahass. Dermatol Clin. 2000 Jul;18(3):533-42. Inpatient Dermatology Consultation.
  • Özyurt S, et al. Actas Dermosifiliogr. 2014;105:799-800. Analysis of Inpatient Dermatologic Consultations.
  • Davila M, Christenson LJ, Sontheimer RD. Dermatol Online J 2010;16:12. Epidemiology and outcomes of dermatology in-patient consultations in a Midwestern U.S. University Hospital.
  • Bigby M. Arch Dermatol 2001;137: 765–70. Rates of cutaneous reactions to drugs.
  • Azevedo LC, et al. An Bras Dermatol. May-Jun 2012;87(3):501-3. The Importance of the Dermatologist at the Hospital.
  • Lopez AT, Khanna T, Antonov N, Audrey-Bayan C, Geskin L. A review of bullous pemphigoid associated with PD-1 and PD-L1 inhibitors. Int J Dermatol. 2018;57(6):664-669

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